terça-feira, 17 de novembro de 2009

Egoísmo


A Adélia disse que eu não sei lidar com a morte. Quando a mãe dela morreu, a Helena era um bebezinho. Eu chorava tanto, inconformada pelo sofrimento da Adélia e por Helena não poder conhecer aquela pessoa tão especial quando crescesse. Ela passou algumas tardes comigo quando eu estava grávida e eu ligava sempre que podia. Me ajudou a podar o pessegueiro e as rosas de uma casa e vida que ficaram para trás. Com o tempo, a lembrança foi ficando boa, mas a indignação não. Na semana passada, a mãe da Rô "virou uma estrelinha". Eu liguei pra Adélia pra dizer que sou uma péssima amiga. Não conseguia confortar a Rô. Chorava, lembrando dos cafés em família, da abóbora com camarão, das viagens pra Santa Catarina num passado distante. E fiquei triste porque a Alice, a linda filhota da Rô, não vai conhecer aquela pessoa tão especial, que preparava os melhores cafés da tarde do mundo. E também porque nos últimos anos eu fiquei distante. Uma lembrança. Ontem, minha irmã me contou que nossa tia está morrendo. Deu um nó no peito porque nos últimos anos eu não consegui falar muito com ela, mas tínhamos os nossos segredos. Eu ligava lá para o Nordeste quando a coisa apertava aqui. O marido dela, que também virou estrela, foi quem me deu os livros do Fernando Pessoa, quando eu tinha uns 13 anos. Ela cortou meu cabelo, preparava galinha à cabidela e falava palavrão como ninguém. Helena não vai conhecê-la, mas o riso dela vai ficar ecoando em mim. Espero que eu consiga rir assim um dia. No fundo, a gente tem que lembrar das coisas boas, acho, e seguir em frente. Sempre. Adélia tem razão. Eu não sei lidar com a morte.

3 comentários:

  1. KM, quem diz que consegue trabalhar a morte, acho que simplesmente supera o comportamento padrão. Na hora H, ninguém, em absoluto está preparado. Quando soube da morte da mãe, dei um grito chorado ou um choro gritado, dor mesmo. Mas passei o resto do dia envolvida com as burocracias, assinando papéis e fazendo o "serviço sujo", de reconhecer o "corpo" da minha mãe. Daquela que me deu a vida, o leite, o amor, a bronca e os cafés deliciosos p/ mim e meus amigos.
    Eu sentia que minha mãe estava prestes a mudar de endereço, mas realmente não sabia que era tão breve. E pode ter a certeza amiga, sua presença me confortou e muito, independente se você sabe ou não lidar com a morte. Valeu!

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  2. Rô, quando acabei de postar esse texto, de manhazinha depois de uma noite de insônia, minha irmã ligou pra dizer que minha tia tinha morrido... eu tinha pensando a noite inteira sobre isso... a gente aprende a lidar, né? do nosso jeito e ainda que seja difícil. que bom que eu consegui te confortar de alguma maneira. você sabe o quanto é importante, né?

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  3. Katia querida, seu depoimento tão sincero me fez ver que também não sei lidar com a morte e nem com o envelhecer. Mas, assim como a Adélia, penso que guardar os bons momentos são a melhor forma de ter nossos queridos vivos em nossa memória. Doces sonhos e bom sono. beijo

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