terça-feira, 17 de setembro de 2013

A história das coisas


 

Já estava lá quando bateu o sino. Coisa rara – para não dizer única – nos últimos quase quatro anos. O trânsito que eu pegava até chegar à escola, muitas vezes fazia com que ela fosse a última a sair, quase sempre com olhos tristes. A menina veio ao meu encontro sorrindo. “Como foi a aula”, perguntei. Ela me olhou com olhos de jabuticaba. As pupilas dela sempre expressaram mais. Sorriu de lado e eu perguntei o motivo. Disse-me que eu nunca perguntava isso. Que a pegava na escola e estava sempre ao telefone. E muitas vezes só falava com ela depois de chegar em casa, mas mesmo assim o celular sempre tocava para interromper a conversa. Meus olhos se expressaram dessa vez, com uma pequena lágrima de canto de olho, disfarçada. A gente nunca sabe quando a vida nos coloca no caminho certo. Mas o caminho deve ser sempre o que não dói. Nem sempre a gente sabe disso. Só queremos mais de tudo e nem percebemos que o mais está tão perto da gente. Depois de tanto tempo naquilo que a gente chama de mundo corporativo, a gente não vê mais a vida rodar. E só consegue perceber as coisas à distância. Acho que existe um equilíbrio e espero de todo o coração que as pessoas que escolhem essa vida saibam disso. Equilíbrio. Ontem, a menina, que em um mês com a mãe por perto elevou todas as notas para 100, pediu se eu podia ver um vídeo com ela a noite. E surpreendentemente me mostrou isso aqui  https://www.youtube.com/watch?v=7qFiGMSnNjw. Tive a sensação que tenho tanto a aprender com ela (e com a vida). Se você, como eu, estiver aproveitando muito bem seu tempo, veja aí.

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Sobre janelas que se abrem

Sobre janelas que se abrem


Independente das metáforas há sempre janelas abertas. Da minha janela, vejo janelas de outros prédios. Abertas, fechadas, emperradas, cobertas, escancaradas. Uma em questão - sem cortinas, nem rodeios - estava sempre pronta para receber o vento. Um dia, no entanto, notei que a janela se fechou e assim permaneceu por muito tempo. Não me perguntei  os motivos, mas há alguns dias, quando li no mural do prédio um aviso de falecimento, soou um alerta: janelas se fecham. Pensei na efemeridade das coisas, pensei no tempo que não temos, pensei no tempo que passa. E pensei na janela fechada.  Não entraria mais vento naquele espaço, nem o sol lamberia mais os azulejos. E também pensei que tampouco saberia de quem eram as mãos que pilotavam aquela janela, optando por deixá-la sempre aberta.  Dia desses, porém, renovei a bagunça da casa, joguei fora papéis velhos, cartas, documentos antigos, porta-retratos quebrados. Abri a janela para que a luz entrasse e, por curiosidade, levei meus olhos para a janela que havia se fechado.  Sorri de canto de boca ao ver a janela novamente aberta, com um apoio improvisado e uma forma de alumínio repleta de conchas para secar ao sol. Alguém viajou para ver o mar e trouxe a brisa junto. Apenas isso.
(*) A foto é de uma janela fechada no litoral do Paraná, para lembrar que elas podem ser abertas.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Caminhos

O tempo que eu queria escrever aqui parou de ser ontem.


Tenho coisas demais na cabeça e elas teimam em escorrer pelos dedos. Às vezes desconexas.

Mais vezes do que muitas.

É que chegou agosto, com desejo de ano novo. E todo agosto eu penso no que poderia estar diferente. Eu sei o que mudaria, mas não conheço o caminho para chegar até lá. A cada dia, tento encurtar essa trilha, com medo do lá ser só uma nota.

O caminho é uma música que toca na hora certa.

Você escuta e de repente as coisas ficam mais claras.

Qual é a música, maestro?

(*) Ilustração da Helena, que deu de desenhar caminhos enquanto assiste TV

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

A queda




Ele me pergunta se eu já sei por que quebrei o pé. Amanhã completa um mês da queda. Bem, quebrei porque caí. Mas também quebrei porque precisava reconstruir. Juntar as peças e olhar a direção. Se há tantos obstáculos, penso, será que o caminho está certo? Nunca acreditei no caminho das pedras. Essa culpa cristã que diz que a gente precisa sofrer para chegar ao destino. O destino é tão agora. Com o pé quebrado, meu destino ficou suspenso. Foi como ter um carvalho caído obstruindo a estrada de ferro. A espera de pensar o contorno impossível. A espera do machado. A impossibilidade ou demora do corte. É uma obstrução. E você precisa pensar o tempo todo em como desviar do caminho. Porque é preciso. Mas mais ainda é preciso continuar em frente, com as lascas do carvalho impregnadas nas roupas, a estrada não será a mesma. Eu também não.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Quando o universo te dá uma rasteira

Eu andava pensando no rumo que as coisas tomam. Esse lance de caminho. Nos passos que a vida dá pelas pernas da gente e para onde levam nossos pés. A estrada. E a escada. Acho que estava pensando nisso quando, literalmente, caí da escada e quebrei o pé. Levei uma rasteira do universo.  Nem sempre o universo é metafórico. Agora ando pensando mais. Acho que quando uma parte do nosso corpo para, outra quer compensar. Tenho pensando na mobilidade. Que a distância das coisas é muito relativa, dependendo do peso que você carrega. Expliquei por aí que estava tendo uma enxaqueca. Só que nos pés. Pés têm muito a ver com caminhos. São eles que nos levam. E quando eles param, quem nos leva é a cabeça. Eu tive enxaqueca há uns dias. Doeu e eu queria correr daquela dor. Agora a tenho nos pés e minha cabeça corre. Acho que a gente nem sempre precisa correr com a cabeça, senão os pés reclamam. Ao contrário também.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Pequenos rituais

“Tenha festa no Festejando! Tenha festa no Festejando!”. A menina murmura no carro enquanto passamos por um buffet infantil pertinho de casa. “O que foi?”, pergunto sabendo que lá vem história e que, talvez, fosse melhor ignorar o assunto. Mas vá lá. É segunda-feira. Ela me conta que percebeu que sempre tem movimento quando passamos por lá e que, se acaso um dia não aconteça uma festa, todos os prédios da rua vão cair. Oh!

Tirando o fatalismo da pequena de oito anos, fico lembrando que sempre tive rituais mentais para decidir de grandes a mínimas coisas. Já colecionei fichas telefônicas no bolso. Jogava pro alto. Duas linhas, eu ligava. Uma linha, nunca mais. Que os prédios caíssem, mas nunca usaria o telefone público novamente!Daí inventaram os cartões para acabar com minhas dúvidas e depois os celulares. Nunca joguei meu celular no chão para saber se ligava ou não...

Quando a gente cresce, os pequenos rituais vão se transformado, mas é bonito bonito de ver o quanto construímos as pequenas crenças e carregamos isso com a gente.

Não, filha, os prédios não vão cair porque não houve uma festa, mas o que a gente acredita vai se edificando com o tempo. Desmoronam uns pensamentos, erguem-se outros, independentes das festas lá fora. O bom é que a gente não perca a festa que acontece dentro da gente que o movimento permaneça. Independente das implosões.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Pinturas que a vida faz

Ela disse que jamais me desenharia de olho roxo, mas olho esse desenho e penso que parece um retrato perfeito de alguns momentos. Olhos roxos existem em mim, ainda que transparentes. Olhos roxos aparecem nas pequenas decepções do dia, no cansaço de tentar ser o que é mais aceitável. Tenho os olhos roxos por ti... São “doidos”, na música de Nei Lisboa. Mas tenho os olhos doidos/roxos das coisas que não digo, das coisas que não faço, das coisas que penso e não revelo. Vai transbordando nos poros. Ficando lilás embaixo das pálpebras até aparecerem azulados, roxos, machucados. Eu tenho os olhos machucados, tristes, caídos para baixo. Meus cantos dos olhos não têm visão periférica, tem visão do que está sob. E embaixo do tapete há sempre poeira. Há sempre acúmulo do que ninguém quer mais. Meus olhos têm alergia do pó acumulado embaixo dos tapetes da vida. E ficam roxos...

(*) Ilustração de Helena, cada dia mais representativa.